Motivo de indignação para incontáveis
brasileiros que adquirem um imóvel na planta é a famosa cláusula de
tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, prevista na quase totalidade
dos contratos de promessa de venda e compra, sendo utilizada em larga
escala pelas incorporadoras e construtoras em todo o país.
O que nem todos sabem é que, embora essa
cláusula marque presença nos contratos, tal tolerância não tem previsão
legal alguma. Pelo menos, não por enquanto.
É justamente diante da ausência de previsão legal, aliada à tese de desequilíbrio contratual nas relações de compra e venda
de imóvel na planta, que muitos operadores do Direito buscam na justiça
a declaração de nulidade ou anulação da cláusula de tolerância, tão
debatida em nossos Tribunais.
Aparentemente copiando trechos de
argumentos jurídicos apresentados por promotores de justiça de defesa do
consumidor do Ministério Público Estadual de São Paulo que buscavam a
declaração judicial de anulação dessa cláusula, o Deputado Federal Eli
Correa Filho apresentou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Federal
nº 178/2011 (alterando a Lei Federal nº 4.591/1964 – Lei de
Incorporações Imobiliárias), através do qual previa-se a proibição na
utilização de qualquer cláusula de tolerância para a entrega de imóveis
além do prazo previsto nos contratos de venda e compra de imóveis.
Aliás, o próprio Deputado apresentou como
argumento para a criação do Projeto de Lei que “as construtoras que
“surfaram” no boom imobiliário e não conseguiram entregar as obras nos
prazos anteriormente estabelecidos eram alvo de ação do Ministério
Público de São Paulo. No processo,
a promotoria de defesa do consumidor do MP pedia a eliminação de
cláusulas contratuais que permitiam o atraso por parte das empresas.”.
O segundo argumento apresentado pelo
parlamentar foi no sentido de que as construtoras vendiam unidades
mediante contratos de venda e de promessa de venda que pressupunham a
entrega de imóvel ao consumidor em momento diferente e posterior à
conclusão do negócio, e que esses contratos apresentavam a peculiaridade
de que, embora previssem obrigações para ambas as partes – comprador e
vendedor –, fixava prazos para a entrega e previa multa moratória
somente em caso de atraso no pagamento pelo consumidor, mas não o fazia,
em caso de atraso na entrega da obra, para a vendedora, gerando uma
situação de evidente desequilíbrio contratual.
Aliás, comentando brevemente sobre a
questão da multa contratual, vale informar ser raríssimo ver em algum
contrato de promessa de venda e compra de imóvel na planta, determinada
incorporadora ou construtora prever alguma mísera multa em favor do
consumidor caso não ocorra a entrega do bem na data prevista em
contrato.
A expressiva maioria desses contratos não
prevê qualquer penalidade para a vendedora que atrasar a entrega do
imóvel. Porém, caso o comprador deixe de pagar alguma das parcelas a que
se comprometeu estará sujeito à inadimplência, ensejando a plena
rescisão do negócio a critério exclusivo da vendedora, além de sofrer
uma perda no mínimo brutal das quantias pagas em contrato, sem prejuízo
de determinadas incorporadoras que simplesmente informam ao comprador
que não restitui absolutamente nada do que foi pago, o que é ilegal e
não encontra sequer respaldo jurisprudencial.
De acordo com o texto ORIGINAL do Projeto
de Lei nº 178/2011, acabava-se de vez com qualquer tolerância para a
vendedora entregar o imóvel, de modo que a incorporadora ou construtora
deveria informar ao comprador apenas UM ÚNICO prazo de entrega, sem
qualquer prorrogação.
No texto original do Projeto de Lei nº
178/2011 consta claramente o seguinte: “É nula de pleno direito a
cláusula ou disposição contratual que, por qualquer forma, instituir
tolerância para o atraso na entrega do imóvel ou outra forma de
mitigação dos efeitos da mora do fornecedor.”.
Além disso, estabelecia-se legalmente uma
multa – compensatória – para a vendedora pagar ao comprador no
percentual de 2% sobre o valor do imóvel existente no contrato,
acrescida de correção monetária e juros legais de 1% ao mês até a data
do efetivo pagamento ao comprador e sem prejuízo do direito do consumidor lesado pelo atraso pleitear judicialmente indenização por perdas e danos, sejam eles materiais e morais.
Também foi prevista a incidência de multa
chamada administrativa, no percentual de 0,5%, sobre o valor do imóvel
existente no contrato, só que não em benefício do comprador, mas, sim,
mediante aplicação a cargo do Procon estadual do local da construção
(edificação), sendo que os recursos advindos da multa deveriam ser
revertidos em projetos e programas de proteção e defesa do consumidor.
Ora, analisando-se nestes termos o Projeto
de Lei Federal nº 178/2011, parece razoavelmente positivo,
especialmente se considerarmos que nunca houve qualquer disposição legal
que impusesse penalidade em caso de descumprimento do prazo de entregas
dos imóveis para as incorporadoras ou construtoras.
Entretanto, devemos registrar que não
estamos afirmando, absolutamente, que esse Projeto de Lei seja algo
adequado para a melhor proteção aos interesses do consumidor lesado pela
vendedora, muito embora o texto original tenha sido categórico em
dispor que o consumidor tem assegurado o direito de recorrer ao Poder
Judiciário para pleitear as perdas e danos que houver experimentado, ou
seja, inclusive indenização por lucros cessantes, restituição de
aluguéis pagos durante o período de atraso na entrega da obra e danos
morais.
A consideração feita no parágrafo acima
foi apenas para situar o leitor de que nunca houve no país Lei que
dispusesse sobre penalidades às incorporadoras e construtoras.
Porém, assim como outras tantas boas intenções em nosso país sofrem alterações, aqui não foi diferente. Para azar do consumidor.
Ao adentrar a Comissão de Desenvolvimento
Urbano do Congresso, o Relator do Projeto de Lei nº 178/2011, Deputado
Federal Heuler Cruvinel, apensou ao texto original o Projeto de Lei nº
1.390/2011, de autoria de Manuel Junior, através do qual se pretendia
fixar um prazo de tolerância de 90 (noventa) dias para a entrega da
obra, arcando o construtor com todos os encargos mensais relativos ao
imóvel, inclusive impostos, até a efetiva entrega das chaves ao
comprador, e a aplicação de multa ocorreria somente na hipótese de o
consumidor já ter quitado o preço do bem dentro do prazo contratual,
somados os 90 dias de tolerância, o que é simplesmente algo absurdo e
ridículo, uma vez que, ao prevalecer esse entendimento deturpado,
jogar-se-ia no lixo todo o entendimento jurisprudencial sobre o tema
“atraso na entrega de imóvel na planta” existente há anos no Poder
Judiciário dos Estados.
Analisando os dois textos, ou seja, o
Projeto de Lei nº 178/2011 e o de número 1.390/2011, o Relator
apresentou o Substitutivo a ambos os projetos no dia 31 de agosto de
2011, no sentido de:
a) acrescentar à Lei Federal nº 4.591/1964 o artigo 48-A;
b) admitir uma tolerância de até 60
(sessenta) dias corridos de atraso na entrega do imóvel a contar da data
pactuada em contrato;
c) caso o incorporador não cumpra o limite
imposto de 60 dias, ficará obrigado a arcar com todos os encargos
mensais relativos ao imóvel em construção, inclusive impostos, até a
data efetiva da entrega do imóvel para uso do adquirente;
d) se o adquirente já houver quitado o
imóvel não entregue no prazo mencionado de até 60 dias de tolerância,
ficará o incorporador obrigado a pagar o valor correspondente a 1% (um
por cento) do valor de aquisição do imóvel por mês de atraso, até a
entrega;
e) o atraso na entrega do imóvel também
sujeitará o incorporador à multa administrativa no valor de 0,5% (meio
por cento) do valor total do empreendimento, por mês de atraso.
Ou seja, um completo desastre ao consumidor!
Ora, perceba-se que a vendedora somente
estaria sujeita ao pagamento de multa mensal de 1% (um por cento), na
hipótese do comprador ter quitado a integralidade do preço do imóvel até
o prazo limite de 60 dias da tolerância, desprezando a alteração
proposta pelo Relator de que, na sociedade brasileira, as famílias que
adquirem um imóvel em construção não pagam seu preço com recursos
próprios, mas, sim, através de financiamento imobiliário, após o prazo
de entrega. Do contrário, por qual motivo comprariam o imóvel na planta?
Ao que parece, o Deputado Federal Heuler
Cruvinel pretendeu afastar a realidade do mercado imobiliário para
imóveis na planta perante as famílias brasileiras ao propor uma
alteração completamente alheia aos fatos.
Seguindo o longo e árduo trâmite para
aprovação de Projeto de Lei no Congresso Nacional, o Substitutivo
encontrou nova preposição. Desta vez o Projeto de Lei nº 2.606/2011, de
autoria de uma pessoa simplesmente identificada como sendo “Sr. Aureo”,
através do qual estabelecia multa de 2% do valor do contrato, bem como
multa moratória de 1% ao mês de atraso na entrega do imóvel ao
comprador, contada a partir da data prevista para entrega após o término
do prazo de tolerância que não poderia ser superior a 180 dias,
revelando retrocesso no entendimento do Projeto de Lei nº 178/2011,
surgido num primeiro momento e que eliminava qualquer chance de
tolerância.
Pelo texto do Projeto de Lei nº
2.606/2011, haveria a possibilidade de compensação do valor da multa com
o valor das parcelas vincendas após o prazo previsto para entrega do
imóvel, facultando-se ao comprador a rescisão do contrato se o atraso na
entrega fosse superior a seis meses (sério? precisava mesmo algo que já
estava previsto no CDC ser reapresentado no PL 2606/2011?). O PL
2.606/2011 também obrigava as empresas a avisar os adquirentes, com seis
meses de antecedência, sobre possíveis atrasos na entrega do imóvel.
Analisando os três textos, ou seja, o
Projeto de Lei nº 178/2011 e os de números 1.390/2011 e 2.606/2011, o
Relator, Deputado Federal Heuler Cruvinel, apresentou o Substitutivo aos
projetos, em 2012, no sentido de:
a) acrescentar à Lei Federal nº 4.591/1964 o artigo 48-A;
b) admitir uma tolerância de até 90
(noventa) dias corridos de atraso na entrega do imóvel, a contar da data
pactuada em contrato;
c) caso o incorporador não cumpra o limite
imposto de 90 dias, ficará obrigado a pagar o valor correspondente a 1%
(um por cento) do valor até então efetivamente pago pelo comprador por
cada mês de atraso até a efetiva entrega das chaves;
d) o valor da multa de 1% poderá ser compensado com o valor das parcelas vincendas após o término da tolerância de 90 dias;
e) as incorporadoras ficam obrigadas a
avisar os adquirentes com 6 (seis) meses de antecedência a respeito de
possíveis atrasos na entrega do imóvel, salvo casos fortuitos e de força
maior; e
f) caso haja atraso na entrega superior a 6
(seis) meses a contar da data pactuada em contrato, poderá o adquirente
rescindir o contrato, sem prejuízo das multas devidas de aquisição do
imóvel por mês de atraso, até a entrega.
Analisando e comparando os termos do
Projeto de Lei nº 178/2011 com as desastrosas e absurdas alterações
realizadas pelo Relator, Deputado Federal Heuler Cruvinel, conclui-se
que nossos congressistas mais uma vez não sabem o que estão fazendo,
pois um Projeto de Lei que objetivava um mínimo de equilíbrio nas
relações contratuais entre incorporadoras e consumidores acabou se
tornando algo completamente diferente, simplesmente desprezando ditames
há anos consolidados pelo Código de Defesa do Consumidor, especialmente o
princípio do equilíbrio nas relações contratuais envolvendo relação de
consumo, e o entendimento jurisprudencial sobre o assunto do atraso na
entrega de imóvel pelas vendedoras em todo o país.
O texto Substitutivo tramitou perante a
Comissão de Desenvolvimento Urbano, Comissão de Defesa do Consumidor
(que nada fez em 2013 sobre o texto pelo acompanhamento do Deputado
Ricardo Izar) e a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania
da Câmara dos Deputados, a qual restabeleceu o prazo de tolerância de
90 (noventa) dias para os usuais praticados no mercado de 180 (cento e
oitenta) dias corridos contados da primeira data prevista em contato,
além de estabelecer uma multa compensatória de 1% (um por cento) sobre o
valor efetivamente pago pelo consumidor e multa moratória de 0,5 (meio
por cento) por cada mês de atraso, calculada também sobre a base de
cálculo do valor efetivamente pago pelo consumidor.
No momento, resta aprovado pela Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei Federal nº 178/2011 com os seguintes pontos
sobre a questão da cláusula de tolerância e pagamento de multa ao
comprador em caso de atraso:
a) a Lei nº 4.591/1964 passa a vigorar
acrescida do artigo 48-A, com a admissão de prazo de tolerância máximo
de até 180 (cento e oitenta) dias para a entrega de imóvel adquirido em
fase de incorporação, contados da data contratualmente fixada para
entrega das chaves ao comprador;
b) o incorporador deverá informar ao
comprador, por ocasião da assinatura dos contratos de compra e venda,
com clareza e transparência, que durante o prazo previsto na tolerância
dos 180 dias não incidirá qualquer penalidade moratória ou
compensatória;
c) caso o incorporador não entregue a obra
dentro do limite da tolerância de 180 dias, pagará ao comprador multa
penal compensatória no valor correspondente a 1% (um por cento) do valor
até então pago pelo adquirente e uma multa penal moratória no valor
correspondente a 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, ou fração,
calculado pro rata dies;
d) os valores das multas serão atualizados
monetariamente pelo mesmo índice previsto no contrato e poderão ser
compensados com os valores das parcelas vincendas após o término do
prazo de tolerância de 180 dias;
e) a incorporadora fica obrigado a avisar o
comprador com 6 (seis) meses de antecedência da data pactuada em
contrato para a entrega do imóvel, sobre possíveis atrasos na sua
entrega;
f) os adquirentes de imóveis em fase de
incorporação deverão receber do incorporador informações mensais sobre o
andamento das obras;
g) essas novas regras somente terão
validade para os contratos assinados após 90 (noventa) dias da data da
publicação da Lei no Diário Oficial da União, não atingindo, portanto,
os contratos celebrados em momento anterior ao da vigência da Lei.
O próximo passo é o Projeto de Lei nº
178/2011 seguir para votação no Senado, o que pode ainda levar prazo
considerável para acontecer e posteriormente encaminhá-lo para sanção
presidencial.
Talvez o Senado proponha alguma alteração
ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados, mas é impossível prever,
especialmente porque o assunto enfrentaria um debate nas duas casas que
não interessa aos congressistas, seja porque há um lobby político muito
forte por parte das empreiteiras no Congresso, seja porque o assunto na
visão de muitos políticos não envolve um respaldo social tão grande, o
que não é verdade, sem sombra de dúvida.
Por outro lado, caso futuramente o Projeto
de Lei nº 178/2011 realmente tenha vigência nos termos em que
atualmente redigido, caberá mais uma vez ao Poder Judiciário dirimir os
conflitos de interpretação que a nova lei apresentará, notadamente sobre
a possibilidade ou não do comprador lesado pelo atraso cometido
exclusivamente pela vendedora obter indenização por lucros cessantes nos
termos em que já consolidado pela jurisprudência estadual e federal,
além da restituição de aluguéis pagos durante o período de atraso na
entrega do imóvel, bem como eventual indenização por danos morais.
Ou será que a justiça negará direitos que
outrora eram concedidos através de festejadas e grandiosas
fundamentações de Juízes, Desembargadores e Ministros sobre o assunto do
atraso na entrega de imóvel adquirido na planta? Certamente o futuro
revelar-nos-á, leve o tempo que for.
Fonte: https://jus.com.br/artigos/36676/o-projeto-de-lei-federal-n-178-2011-e-seus-impactos-na-sociedade-brasileira
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